Juliana Farias – Nos últimos meses, o Brasil acompanhou a notícia de centenas de cavalos mortos em diferentes regiões do país. Os animais, muitos deles de alto valor genético e econômico, foram vítimas de um inimigo silencioso: a ração contaminada.
O episódio, ainda sob investigação, acendeu um alerta vermelho sobre os cuidados na produção, armazenamento e distribuição de alimentos para equinos.
“Quando falamos em ração, estamos falando de alimento. E alimento, seja para humanos ou animais, precisa ser produzido com rigor técnico e sanitário absoluto”, destaca a veterinária Paula Eloize, especialista em segurança dos alimentos e consultora de indústrias do setor.
O perigo invisível nas rações
Cavalos são animais extremamente sensíveis a erros alimentares. A planta do gênero Crotalaria, por exemplo, é tóxica para diversas espécies, mas os cavalos são particularmente sensíveis.
Mesmo pequenas quantidades de alcalóides pirrolizidínicos podem desencadear um quadro agudo de intoxicação, com sintomas como apatia, falta de coordenação, icterícia e, em muitos casos, morte súbita.
“A grande dificuldade é que o criador não consegue identificar a contaminação a olho nu. Os lotes de ração podem aparentar estar em perfeitas condições, mas a toxina já está presente e agindo no organismo do animal”, explica Paula Eloize.
Além disso, a presença de fungos e toxinas naturais, oriundos de matérias-primas mal armazenadas, representa outro risco frequente.
“Uma contaminação pode ocorrer de forma cruzada, quando uma fábrica que produz ração para diferentes espécies não realiza uma limpeza adequada entre os lotes. Basta uma falha no processo para transformar o alimento em veneno”, explica Paula Eloize.
Segundo ela, é comum que produtores confiem apenas na reputação da marca, mas isso não é suficiente: “O criador precisa exigir laudos de análises, conhecer a procedência das matérias-primas e entender se a indústria segue programas de controle de qualidade. Segurança não pode ser terceirizada”, acrescenta.
As 5 orientações da especialista para criadores e haras
Para evitar que tragédias como essa se repitam, Paula Eloize compartilha cinco recomendações essenciais para quem lida com equinos:
1. Exija rastreabilidade completa
“Quando você compra uma ração, não está adquirindo apenas um saco de alimento: está assumindo toda a cadeia de produção que está por trás dele”, afirma Paula Eloize.
Por isso, a especialista recomenda exigir que cada lote seja claramente identificado, com data de fabricação, validade e códigos que permitam rastrear desde a origem das matérias-primas até o produto final.
Além disso, é essencial que o fabricante disponibilize laudos laboratoriais atualizados, comprovando que o alimento está livre de micotoxinas, metais pesados e substâncias tóxicas para cavalos, como ionóforos e alcalóides de plantas daninhas.
“Esses laudos são como a identidade da ração. Sem eles, você está comprando no escuro”, alerta Paula.
2. Armazene corretamente
Mesmo que a ração saia perfeita da fábrica, o armazenamento inadequado pode transformar um alimento seguro em um risco potencial. “Umidade, calor e pragas como roedores e insetos são os maiores inimigos da qualidade”, explica Paula Eloize.
Ela orienta que o depósito de ração seja mantido em local ventilado, seco, limpo e protegido da luz solar direta, com os sacos afastados do chão por meio de pallets.
“Cavalos são extremamente sensíveis a alterações na qualidade da ração. Por isso, cuidar do armazenamento é tão importante quanto escolher o fornecedor certo”, complementa.
3. Capacite a equipe
“De nada adianta investir na melhor ração do mercado se a equipe não sabe manuseá-la corretamente”, destaca Paula. Muitos erros acontecem porque funcionários misturam rações de espécies diferentes, reutilizam sacolas contaminadas ou ignoram sinais de deterioração.
A especialista recomenda treinamentos periódicos para que todos saibam separar os lotes por espécie e data, identificar alterações de cheiro, cor ou presença de insetos, e higienizar o ambiente de armazenamento adequadamente.
“Esses cuidados simples podem evitar perdas enormes, tanto de vidas quanto financeiras”, enfatiza.
4. Observe sinais precoces nos animais
Por fim, Paula reforça a importância de observar o comportamento dos cavalos todos os dias.
“Eles não conseguem falar, mas mostram no corpo quando algo não vai bem”, diz.
Entre os principais sinais de alerta estão a falta de apetite ou recusa da ração, apatia, fraqueza, sudorese excessiva, tremores musculares e dificuldade de locomoção.
“Caso qualquer um desses sintomas seja percebido, suspenda imediatamente a ração e busque orientação veterinária. Nessas situações, cada minuto faz diferença”, orienta Paula.
Um alerta para o futuro
Para Paula, o caso recente deve servir como um divisor de águas no Brasil:
“É preciso parar de tratar a segurança alimentar como um detalhe. Na cadeia produtiva, cada elo importa.
Do agricultor que planta o milho até o haras que alimenta o cavalo, todos precisam entender que vidas e fortunas dependem desse cuidado”, conclui.
Enquanto criadores lamentam as perdas e autoridades investigam responsabilidades, a lição permanece: na nutrição animal, não há espaço para erros.