Na Zona Sul de São Paulo, um movimento de resistência vem ganhando força em ruas da Vila Mariana. Placas com a mensagem “Esta casa não está à venda” têm se tornado comuns em diversas residências da região, em resposta à pressão de construtoras interessadas em adquirir terrenos para novos empreendimentos.
As tensões aumentaram após alterações no Plano Diretor Estratégico (PDE) que redefiniram parte da área como Zona de Estruturação Urbana (ZEU), permitindo construções sem limites de altura. Segundo os moradores, desde então, o assédio de corretores e incorporadoras tornou-se mais frequente e agressivo, gerando conflitos entre vizinhos que desejam vender e os que preferem permanecer em suas casas.
Assédio e ameaças veladas
Na Rua Mantiqueira, uma das mais afetadas, a incorporadora Magik LZ espalhou placas anunciando um futuro empreendimento imobiliário. Mesmo sem licença protocolada na Prefeitura de São Paulo, a empresa passou a contatar proprietários, sugerindo que todos deveriam vender para evitar transtornos. Alguns moradores relatam até 40 chamadas e mensagens de corretores em curto período.
“Eles dizem que já compraram todas as casas vizinhas e que, se não vendermos, enfrentaremos anos de transtornos na construção, com riscos de desabamento”, contou Ana Amélia Feijó, engenheira e moradora há 16 anos. “A estratégia é gerar pânico e forçar negociações a valores bem abaixo do mercado.”
Ana Amélia e outros moradores afirmam que, quando se recusam a negociar, a empresa passa a contatar familiares, inclusive em outros estados, intensificando a pressão. Em um caso, uma família foi abordada na saída da escola dos filhos por representantes da construtora.
Impacto na convivência entre vizinhos
A insistência das incorporadoras também afeta a harmonia da comunidade. Adriana Coppi, atriz e residente da Rua Humberto I, relata que a divisão entre quem aceita vender e quem resiste à pressão tem gerado intrigas e desconfiança. Segundo ela, “depois que alguém assina um contrato de intenção de venda, os corretores orientam que o vizinho insista para que os demais também vendam, criando um clima de conflito.”
Flávio Carrança, aposentado e morador da Rua Octávio de Moraes, também enfrenta situações semelhantes. Ele afirma que foi abordado na porta de casa por corretores que disseram ter adquirido metade das casas do quarteirão e que sua família ficaria isolada se não vendesse.
“Depois que bloqueamos as mensagens, passaram a ligar para nossos filhos, que vivem no interior, tentando nos convencer. Isso é uma invasão de privacidade absurda”, denunciou Maria Luiza, esposa de Flávio.
Estratégias de resistência
Em resposta ao assédio, os moradores têm se mobilizado para criar um “manual contra o assédio imobiliário”. A ideia é orientar outras famílias sobre como lidar com as abordagens, denunciar práticas abusivas e fortalecer a articulação comunitária. Entre as iniciativas estão a instalação de placas nas residências, o mapeamento de nascentes de água na região para dificultar a emissão de licenças e a troca de informações para expor irregularidades das empresas.
Angela Baralla, oficial de justiça aposentada, relata que recusa propostas de venda para proteger o único patrimônio deixado por seus pais. “Diversas construtoras me ligam todos os dias, mesmo após eu deixar claro que não tenho interesse em negociar. Quero apenas continuar vivendo em paz.”
Posicionamento das construtoras
A Magik LZ afirmou, em nota, que “repudia e não compactua com atitudes desrespeitosas” e que “divergências fazem parte de um processo democrático de negociação”. Já a You, Inc declarou que desde outubro não tem mais interesse na região e negou relação com as práticas denunciadas, responsabilizando terceiros contratados por abordagens abusivas.
Mudanças urbanísticas e responsabilidade pública
Os moradores também questionam o papel do poder público nas alterações do zoneamento, que viabilizaram a intensificação do assédio. “Ao derrubarem o veto do prefeito, os vereadores abriram as portas para essa invasão. Precisamos de apoio do município para lidar com os impactos dessa decisão”, argumenta Adriana Coppi.
Enquanto não há uma solução definitiva, as famílias da Vila Mariana seguem resistindo, reafirmando o direito à privacidade e à manutenção de suas casas em meio à pressão crescente do mercado imobiliário