Hospitais reforçam importância da doação de órgãos e tecidos

 “Minha vida hoje é prova de como a doação de órgãos transforma destinos. Quando o telefone tocou e me disseram: ‘Encontramos um fígado para o senhor!’, senti um silêncio na alma e uma gratidão que não sei descrever”, comentou o escritor e jornalista Eloy Figueiredo, que teve o seu transplante realizado no Hospital Universitário Polydoro Ernani de São Thiago, da Universidade Federal de Santa Catarina (HU-UFSC), um dos 45 hospitais universitários federais que integram a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). Dos seus 73 anos de vida, os dez últimos ele passou tratando a hepatite C que evoluiu para cirrose e, por fim, para o câncer.

O transplante só é possível a partir do “sim” do doador e da sua família. A partir dele, Eloy e tantos outros saíram de uma lista, que hoje ainda conta com 78 mil brasileiros à espera de um transplante de órgãos e tecidos, de acordo com os dados mais recentes do Ministério da Saúde, divulgados em junho passado. Gente esperançosa na cura ou numa melhor qualidade de vida. Uma causa tão importante que até ganhou uma data – 27 de setembro -, instituída como o Dia Nacional da Doação de Órgãos, e uma campanha de conscientização: o Setembro Verde.  

Esse “sim” à doação, muitas vezes, não se concretiza por falhas de comunicação, que geram o desconhecimento e até a desinformação de potenciais doadores. “É importante debater com a sociedade para dirimir dúvidas, aumentar a conscientização e colaborar para desmistificar o tema, além de disseminar políticas públicas nas redes sociais e desenvolver uma comunicação mais empática das equipes de assistência com as famílias”, comenta a psicóloga hospitalar Dayanne Pinheiro, que atua na Comissão de Transplantes do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG).

O processo

O processo de doação e transplante envolve várias etapas, desde a manifestação do desejo da pessoa em vida; o diagnóstico de morte encefálica (no caso de órgãos) e de parada cardiorrespiratória (restrita aos casos de tecidos, como córneas, vasos, pele, ossos e tendões); a atuação da Comissão Intra-Hospitalar de Doação de Órgãos e Tecidos para Transplante (Cihdott) junto à família; a realização de exames de compatibilidade e doenças; a retirada do órgão; o transporte e a cirurgia transplantadora. 

“A Cihdott atua nesse processo que abrange a busca de potenciais doadores e no acolhimento da família durante a internação, quando as dúvidas e questionamentos são sanados”, explica o enfermeiro Guilherme Fernandes, coordenador da Cihdott do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Humap-UFMS).

Doação

Referência mundial, o  Sistema Nacional de Transplantes (SNT), do Sistema Único de Saúde (SUS) atua em parceria com a Central de Transplante de cada Secretaria Estadual, dando transparência à lista de espera e proporcionando um serviço de excelência gratuito e universal. Em 2024, o Brasil bateu o seu recorde de transplantes, com mais de 30 mil procedimentos, um crescimento de 18% em relação a 2022. Os órgãos e tecidos mais transplantados foram córnea (17.107), rim (6.320), medula óssea (3.743) e fígado (2.454).

A maior parte das doações é realizada após a morte do doador, sendo necessária a autorização da família que, via de regra, respeita o desejo do parente. Daí, a importância de informar aos mais próximos sobre a decisão de doar. Mas há também a doação entre vivos com o transplante de um dos rins (doador falecido fornece os dois), parte do fígado, parte da medula ou parte dos pulmões, sendo a compatibilidade sanguínea necessária em todos esses casos, além de testes para selecionar o doador que apresenta maior chance de sucesso.

De pai para filha

Esse foi o caso da neuropsicopedagoga clínica pernambucana Rafaela Rodrigues, de 32 anos, que recebeu um dos rins do pai, o tratorista Rafael Leite, de 56 anos. Ela foi transplantada no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (HC-UFPE) em fevereiro de 2021. O rim direito de Rafaela estava totalmente comprometido, e o esquerdo estava com 30% da capacidade de funcionamento devido a uma alteração congênita, chamada refluxo vesicoureteral.

“Hoje, após quatro anos e seis meses do transplante, posso dizer que sou outra Rafa: acredito que o transplante veio para me mostrar o que é realmente ter saúde, ter qualidade de vida percebendo até nas simples coisas, como ter unhas fortes, dormir e realmente descansar e acordar 100% renovada. Hoje tenho vitalidade para realizar e correr atrás dos meus planos, sonhos e objetivos. Como é bom viver!”, relata Rafaela.

A doação e o transplante mudaram as vidas de pai e filha. “É inexplicável a felicidade que eu senti em ser compatível com a minha filha e ter essa oportunidade de poder doar a ela, que está bem agora. Isso me deu uma grandeza, uma autoestima e uma felicidade enorme. Eu sou o homem mais feliz do mundo”, revela Rafael, que aconselha as pessoas a deixarem registrada a vontade de doar.      
A nefrologista Larissa Guedes, coordenadora de transplante renal do HC-UFPE, explica que “esse tipo de transplante é indicado a pacientes com doença renal crônica (DRC) em estágio terminal, aqueles com função menor que 15%, normalmente em terapia renal substitutiva, que pode ser a hemodiálise ou a diálise peritoneal.”

E por que o transplante renal sempre lidera a quantidade desse tipo de cirurgia de órgãos no Brasil e no mundo? “Alguns fatores explicam: Temos uma alta e ascendente prevalência de DRC no mundo; segundo, há uma terapia de substituição renal, o que não é possível para outros órgãos, e isso permite que o paciente fique muitos anos na fila de espera do transplante que vai crescendo com a chegada de novos casos. Além disso, um doador falecido beneficia duas pessoas”, enumera Larissa Guedes.

Tecidos também são doados

Quando o assunto é transplante de tecidos, o de córnea é o mais realizado no Brasil. “A indicação (de cirurgia) acontece quando há uma opacidade significativa da córnea obstruindo o eixo visual ou quando há alguma irregularidade que vai gerar distorção da córnea, como o ceratocone, e isso leva a um grau irregular e baixa da visão do paciente”, explica o oftalmologista do Hospital Universitário Gaffrée e Guinle da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (HUGG-Unirio), Gustavo Novais, especialista nesse transplante e professor do departamento de oftalmologia.

A córnea é um dos tecidos que só podem ser doados após a morte, assim como a pele, ossos, valvas cardíacas e tendões. A medula óssea é doada em vida.

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