No dia 18 de novembro, a Academia Paulista de Letras (APL) promove o evento “Viver e Morrer com Liberdade”, em sua sede, na cidade de São Paulo. Com inscrições gratuitas, a programação conta com um dia inteiro de debates sobre temas como morte assistida, suicídio, cuidados paliativos e autonomia do paciente. Entre os palestrantes confirmados estão grandes nomes, como o filósofo Leandro Karnal, os médicos Alexandre Kalache e Raul Cutait, a historiadora Mary del Priore e a presidente do instituto Eu Decido, Luciana Dadalto, além de cônsules da Suíça, Países Baixos e Bélgica.As inscrições são gratuitas, abertas ao público, e podem ser feitas pelo site oficial da instituição.
O tema da eutanásia voltou ao centro do debate público após decisões legislativas recentes no Uruguai: em outubro, o país aprovou uma nova lei que autoriza o procedimento em casos extremos, tornando-se o primeiro da América Latina a adotar a medida por meio do Parlamento. Países como a Suíça e o Canadá também já permitem a escolha pela morte assistida, ainda que sob condições específicas. Em território nacional, o procedimento é proibido e tipificado como crime de homicídio simples, com pena prevista de 6 a 20 anos de reclusão.
Embora no passado tenham existido projetos de lei que discutiram o tema no Brasil, atualmente ele não está em destaque no Congresso Nacional. Essa ausência de pautas legislativas no país evidencia a urgência de ampliar o debate formal entre setores da sociedade, especialmente no meio acadêmico e intelectual. É o que explica o Dr. Antonio Penteado Mendonça, advogado e presidente da APL:
“Hoje, a liberdade de escolha está se sobrepondo a antigos dogmas ou tradições, que impunham certas ações ou atitudes. O direito de dispor da própria vida é uma conquista recente e ela abrange como viver e como morrer. É fundamental não perder de vista que a dignidade é um direito universal e que sem dignidade não há felicidade. Discutir isso com a sociedade num país como o Brasil é uma necessidade”.
Com o evento, o presidente da APL espera aprofundar essa discussão que, em sua visão, precisa ser vista friamente, sem pré-julgamentos ou vontades e crenças pessoais. “A decisão não é coletiva, mas individual. Cada um é livre para dispor da própria vida e consequentemente da própria morte, de acordo com suas convicções”, complementa.
A morte na sociedade: da medicina à filosofia
A medicina também desempenha um papel central nesse debate. Segundo o cirurgião Raul Cutait, Cirurgião Oncológico do Aparelho Digestivo no Hospital Sírio Libanês, os avanços tecnológicos e científicos trouxeram benefícios inegáveis para pacientes em estado grave, como melhores medicamentos e suportes nutricionais.
No entanto, o problema aparece quando recursos são utilizados em pacientes com prognóstico reservado. Nessas circunstâncias, o cirurgião explica que é importante ponderar até que ponto é digno manter tratamentos intensivos, considerando não apenas o sofrimento do paciente, mas também o impacto sobre a família e os custos envolvidos. Para ele, respeitar a autonomia do paciente é a chave:
“Seria fantástico se pudéssemos escolher exatamente como terminar nossos dias, mas a realidade é que o fim da vida costuma ser imprevisível. Como médico, o que mais ouço é que as pessoas não querem sofrer — e eu concordo plenamente. A medicina atual permite prolongar a vida mesmo em casos de doenças graves, mas não deve ultrapassar os limites da dignidade do paciente nem desconsiderar seus desejos. O ideal seria que todos pudessem administrar o fim de suas vidas com decisões tomadas por antecipação”.
Para Leandro Karnal, filósofo, escritor e membro da Academia Paulista de Letras, o tema da morte permanece como um dos grandes dilemas da sociedade contemporânea. Ele observa que, embora inevitável e sempre presente, o assunto é frequentemente silenciado — às vezes, sequer nomeado.
“Somos cadáveres adiados, como disse Fernando Pessoa. A morte tem uma face dupla: é uma certeza absoluta e é a verdade mais negada. O primeiro dilema é superar este tabu e tratar com objetividade a questão. O segundo é superar a ‘positividade tóxica’ que Byung – Chul Han identificou como um dos males do nosso tempo. O terceiro obstáculo diz respeito ao conceito de morte assistida como um direito de liberdade individual. Aceitamos interferir na natureza com analgésicos, cirurgias, remédios, cremes e hormônios. Porém, quando o tema é morte, invocam-se argumentos metafísicos de que não se pode ‘brincar de Deus’. Desde que nascemos, nossa ciência interfere na vida. No final, e apenas no final, desejamos que a natureza siga seu curso livremente”, argumenta.
Para o filósofo, o caminho para expandir essa discussão e quebrar o tabu frente ao tema da morte está em iniciativas como o evento “Viver e Morrer com Liberdade”, que naturalizam uma análise ampla e racional acerca do assunto.




