Terça-feira, 7 de outubro de 2025. Eram pouco mais de 6h quando Icenira Gironde Madalena, de 55 anos, subiu na garupa da motocicleta conduzida pelo marido. O casal seguia rumo ao trabalho e, ao cruzar a Rua Fraiburgo — via preferencial das Moreninhas —, a moto foi atingida por um caminhão que avançou o cruzamento com a Rua Jaguariúna.
O condutor da moto ainda tentou frear ao perceber o caminhão atravessando, mas a frenagem brusca fez com que Icenira perdesse o equilíbrio e caísse. A roda traseira do veículo pesado passou sobre ela, que morreu antes mesmo da chegada do socorro.
Embora tenha ocorrido fora do ambiente de trabalho, a morte de Icenira está juridicamente classificada como acidente de trabalho, mais precisamente, um acidente de trajeto, já que ocorreu no caminho entre a residência e o local de trabalho.
Poucos dias depois, Natan Conceição Padilha morreu prensado por placas de madeira durante o expediente. Juntas, as placas pesavam cerca de 200 quilos. O acidente aconteceu no momento em que o trabalhador realizava descarregamento de um caminhão no bairro Jardim Noroeste, também em Campo Grande. No domingo (19), mais uma morte. O motoentregador Gabriel de Oliveira, de 20 anos, morreu durante o trabalho, após bater a motocicleta que conduzia em um Fiat Strada, no bairro Recanto dos Pássaros.
O caso mais recente ocorreu na última segunda-feira (20), quando o engenheiro civil Igor Santos Vougado, de 32 anos, morreu após se envolver em um acidente entre carro e caminhão na BR-267. Igor estava a caminho do trabalho.
Caminhos interrompidos
Casos como os de Icenira, Natan, Gabriel e Igor revelam um ponto central: acidentes de trabalho não se restringem às paredes do escritório ou ao canteiro de obras. Eles podem ocorrer no trajeto entre casa e trabalho, na exposição a agentes biológicos ou até em doenças silenciosas provocadas por condições laborais inadequadas.
Por isso, o registro da CAT (Comunicação de Acidente de Trabalho) é essencial para garantir os direitos do trabalhador e permitir que o caso seja devidamente investigado e reconhecido pelos órgãos competentes.

Entre janeiro e agosto de 2025, Mato Grosso do Sul registrou 22 mortes por acidentes de trabalho no sistema de CAT.
Do total, 13 ocorreram de forma típica, ou seja, durante o desempenho das atividades laborais, no local e horário de serviço, ou enquanto o trabalhador estava à disposição do empregador. Outras nove mortes aconteceram durante o trajeto (percurso) entre a casa e o trabalho.
O levantamento realizado pelo Jornal Midiamax, com base nos dados abertos do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), revela que as fatalidades atingem majoritariamente homens — neste ano, foram 20 óbitos masculinos, contra duas vítimas mulheres.
Somadas as quatro mortes registradas neste mês de outubro (ainda não registradas no CAT), o Estado contabiliza 26 óbitos por acidentes de trabalho — duas no trajeto entre casa e emprego; e duas durante o exercício da função.
Confira:
Outro ponto que chama atenção é a diversidade de situações e profissões envolvidas, que inclui motoristas, pedreiros, trabalhadores da indústria e até do comércio. A maioria dos acidentes teve veículos como agente causador, mas também há registros envolvendo motocicletas, aeronaves, álcool e até escavações.
Um dos mais fatais ocorreu em 19 de agosto, no município de Aral Moreira, a 405 km de Campo Grande. Na ocasião, três trabalhadores, sendo um pedreiro e dois serventes de obras, morreram asfixiados durante uma escavação em uma construção civil.
Já o acidente envolvendo uma aeronave ocorreu em 11 de março, após a queda de um avião agrícola em uma propriedade rural de Nova Andradina. A vítima, Paulo Roberto Crispim, de 40 anos, pilotava o avião no momento da queda. O caso está registrado como acidente típico, de lesões múltiplas.
O relatório ainda evidencia que a maioria das vítimas possuía vínculo empregatício formal e teve a CAT emitida por empregadores. As causas das lesões variam entre fraturas, cortes, contusões, esmagamentos e queimaduras, indicando o quanto as falhas em segurança e prevenção seguem impactando diferentes setores produtivos do Estado.
Quando um acidente é considerado de trabalho?
O acidente de trabalho compreende todo evento que ocorre durante o exercício da atividade laboral; que cause lesão corporal, doença ou morte, resultando em perda ou redução, temporária ou definitiva, da capacidade para o trabalho.
Advogada trabalhista, Camilla Marques explica que a definição também inclui as doenças ocupacionais, provocadas ou agravadas pelas condições do ambiente laboral, e os acidentes de trajeto, como o que vitimou Icenira.
Em Mato Grosso do Sul, os tipos de acidentes variam conforme o setor econômico. No entanto, Camilla destaca ter observado uma maior incidência de casos na construção civil e de doenças ocupacionais relacionadas à ergonomia, como lesões por esforço repetitivo e dores musculares
Até mesmo a contaminação por covid-19 pode estar enquadrada como acidente de trabalho, desde que comprovado o vínculo entre a doença e o exercício profissional. Em 2024, a 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) condenou um hospital a indenizar a família de um eletricista, que morreu, aos 47 anos, em decorrência de complicações causadas pelo vírus.
O trabalhador, que atuava desde 2002 na manutenção preventiva e corretiva de máquinas e equipamentos hospitalares, estava exposto a agentes biológicos infecciosos e infectocontagiosos. Na época, o PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) do hospital apontava riscos de transmissão de doenças. Contudo, não havia registro de fornecimento de equipamento de proteção respiratória ao empregado.
CAT e obrigatoriedade da comunicação

Camilla explica que, sempre que há indício de relação entre o acidente e a atividade profissional, deve haver a emissão de CAT. O registro formal assegura o acesso a benefícios previdenciários, como o auxílio-doença acidentário e a estabilidade no emprego.
“A responsabilidade principal é da empresa, que deve emitir a CAT até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência”, afirma a advogada. Caso o empregador não faça o registro, o trabalhador, dependentes, o sindicato da categoria ou até o médico assistente podem realizar a comunicação diretamente ao INSS.
Empresas que omitem a emissão da CAT estão sujeitas a multa administrativa. Em alguns casos, o trabalhador também pode recorrer à Justiça para exigir o reconhecimento do acidente e a correspondente indenização.
Além disso, a formalização da CAT contribui para a prevenção de novos acidentes e adoecimentos no ambiente de trabalho.
Como registrar o CAT?
O acidente de trabalho ocorrido deve ser comunicado ao INSS por meio da Comunicação de Acidente de Trabalho, que pode enquadrar em diferentes categorias:
- CAT inicial: utilizada para registrar acidente típico, de trajeto, doença profissional ou do trabalho, ou ainda em caso de óbito imediato;
- CAT de reabertura: emitida quando há agravamento de lesão decorrente de acidente ou doença já comunicada;
- CAT de comunicação de óbito: aplicada quando o falecimento do trabalhador ocorre após o registro da CAT inicial, em decorrência do acidente ou da doença relacionada ao trabalho.
Para o registro, acesse a página de cadastro no portal GOV.BR, escolha o tipo de CAT e preencha os dados solicitados no formulário on-line. Caso o serviço on-line não esteja disponível, você pode ligar para a Central de Atendimento do INSS, no número 135.
O cadastramento da CAT pela internet pretende facilitar e agilizar o registro de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Isso porque permite que o empregador realize a comunicação mesmo nos casos em que não haja afastamento do trabalhador. Em MS, todos os óbitos foram registrados pela internet.




