Por. Rommel Andriotti*
As relações familiares têm se transformado profundamente nos últimos anos, e o Direito tem acompanhado essas mudanças. Um exemplo claro dessa evolução é o divórcio unilateral, que permite a uma das partes solicitar o fim do casamento ou da união estável mesmo sem o consentimento da outra, facilitando significativamente o encerramento do vínculo conjugal.
Essa possibilidade, consolidada no ordenamento jurídico brasileiro desde a Emenda Constitucional n.º 66 de 2010, representa um avanço notável no Direito de Família, refletindo uma compreensão mais moderna sobre autonomia individual.
Como o Divórcio Unilateral Funciona na Prática?
Atualmente, o divórcio unilateral se efetiva por meio de um processo judicial. O procedimento se inicia quando a parte interessada, por meio de seu advogado, apresenta uma petição inicial ao juiz, informando seu desejo de se divorciar. Uma das grandes modernizações é que não há mais a necessidade de apresentar uma causa específica ou provar a “culpa” do outro pelo fim da relação: a simples manifestação de vontade de uma das partes é suficiente para obter o divórcio.
Após a apresentação da petição, o outro cônjuge é citado para ter ciência da ação. Essa citação não tem como objetivo obter o consentimento para o divórcio, mas, sim, visa garantir o direito de defesa da outra parte principalmente com relação a questões patrimoniais, guarda dos filhos, pensão alimentícia, entre outras questões assessórias, se houver.
Dificilmente há defesa para o pedido de divórcio em si. Em teoria é possível, em casos excepcionalíssimos, por exemplo, se o casamento é nulo e isso é alegado em defesa. Mas, de maneira geral, o divórcio é considerado um “direito potestativo”, isto é, um direito que, uma vez lançado por uma parte, a outra nada tem a fazer senão se sujeitar a ele.
Logo, a unilateralidade se aplica ao ato de se divorciar em si, mas as consequências do divórcio (partilha de bens, guarda etc.) ainda precisam ser discutidas e, se necessário, decididas judicialmente.
Caso o cônjuge citado não se manifeste, ou se manifeste apenas para concordar com o divórcio, o juiz pode decretar de forma rápida o fim do vínculo conjugal. Aliás, ele poderá fazê-lo inclusive se a outra parte se opuser ao divórcio, que ainda poderá ser decretado de plano pelo juiz, baseado na vontade unilateral de quem pretende se divorciar, ressalvadas apenas aquelas situações muito excepcionais já comentadas anteriormente.
Então, se houver discordância com relação às demais questões (bens, filhos, pensão), o divórcio é decretado no começo e o processo segue apenas para definir esses outros pontos.
Quais os benefícios do divórcio unilateral?
Os benefícios dessa modalidade são claros:
- Agilidade processual: Reduz drasticamente o tempo necessário para o término do vínculo matrimonial, evitando longas e desgastantes batalhas judiciais que tinham como único objetivo o divórcio em si.
- Menos desgaste emocional: Diminui o sofrimento das partes envolvidas, especialmente em casos de relacionamentos tóxicos ou abusivos, nos quais a necessidade de consentimento do outro cônjuge poderia ser uma ferramenta de controle e manipulação.
- Autonomia individual: Reforça o direito à liberdade e à autonomia de cada pessoa em decidir sobre sua vida afetiva, sem a necessidade de depender da vontade de terceiros para seguir em frente.
- Desburocratização: Simplifica o procedimento, desafogando o Judiciário de discussões sobre culpa que antes ocupavam muito os profissionais do direito que trabalhavam no caso.
O que mudaria com a reforma do código civil que está atualmente tramitando no Congresso Nacional?
Uma novidade importante está no horizonte com a proposta de reforma do Código Civil, já entregue ao Senado. O anteprojeto prevê a possibilidade do divórcio unilateral extrajudicial.
A previsão está no art. 1.582-A, conforme consta na Reforma do Código Civil, que diz assim: “o cônjuge ou o convivente, poderão requerer unilateralmente o divórcio ou a dissolução da união estável no Cartório do Registro Civil em que está lançado o assento do casamento ou onde foi registrada a união” [1].
Isso significa que a pessoa que deseja se divorciar poderá fazer o pedido diretamente no cartório de registro civil, sem a necessidade de um processo na Justiça, independentemente do consentimento da outra parte. Pela proposta, o outro cônjuge seria apenas notificado para tomar ciência, e, após essa notificação, o divórcio já poderia ser averbado. Essa inovação visa simplificar e acelerar ainda mais o processo, diminuindo a burocracia e aliviando a carga do Poder Judiciário.
É importante ressaltar que a unilateralidade do divórcio não significa um desrespeito ou desprezo ao outro cônjuge. O direito à ampla defesa e ao contraditório continua garantido, especialmente no que tange às questões patrimoniais e familiares. Apenas o ato de ‘se divorciar’ não exige mais a aprovação mútua.
Um aspecto interessante é que o divórcio unilateral fortifica direitos fundamentais como a liberdade individual e da autonomia da vontade. Ele dá mais autonomia para a parte que não deseja mais manter um relacionamento que não faça mais sentido para ela. Em alguns casos, isso também pode significar uma maior proteção das pessoas em situações de coação, controle ou abuso.
A alternativa de divórcio unilateral é um passo fundamental para um Direito de Família mais livre e condizente com a realidade social atual. Essa inovação está alinhada com a complexidade e agilidade das relações humanas contemporâneas e a necessidade de oferecer caminhos mais rápidos e menos dolorosos para o encerramento de ciclos, permitindo que as pessoas possam reorganizar suas vidas com maior celeridade e autonomia.
*Dr. Rommel Andriotti é advogado e sócio fundador do escritório Rommel Andriotti Advogados Associados. Atua como professor de Direito Civil e Processo Civil na Universidade Mackenzie e também na Escola Paulista de Direito (EPD). É mestre em Direito (concentração em processo civil) pela PUC/SP (2020). É mestre em Direito (concentração em Direito Civil) pela FADISP (2020). Possui pós-graduação lato sensu em Direito Civil e Processo Civil pela Escola Paulista de Direito e é bacharel em Direito pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU, 2015).